quarta-feira, 27 de julho de 2011

Coração nômade

Garrafa de whisky na mão. Sem gelo, sem copos. Só eu e a bebida. Meu quarto ficava no andar de cima de um antigo bar. Abrindo a portinha e subindo a velha escada de madeira. Lá em cima apenas um pequeno cômodo. Cama, uma penteadeira com algumas gavetas, uma estante com livros, um criado mudo, algumas teias de aranha e uma velha poltrona.
Eu olhava para as paredes cheias de frestas e imaginava como seria a vida se eu não tivesse ido embora. Parece que eu estaria em um lugar melhor. A casa onde morávamos era grande, confortável, cheia de coisas desnecessárias. Murilo tinha uma mania de grandeza que não me fazia bem.
Eu queria sair correndo para longe daquele lugar sufocante. Realmente, eu estava em um lugar melhor quando tinha Murilo perto de mim. Mas era melhor aos olhares curiosos dos vizinhos e amigos que nos desejavam com aquele ar de cinismo toda a felicidade do mundo. Eu nunca seria feliz com ele. Meu destino era estar só. A casa era linda, Murilo era lindo, eu... Eu não era feliz.
Eram duas e meia de uma madrugada fria quando o vi pela última vez. Foi o momento em que saí da cama e dei um breve beijo de adeus em seu rosto. Um breve bilhete contendo um trecho de uma música que ele conheceria, e entenderia.
"Sing it for me, I can't erase the stupid things I say. You're better than me. I struggle just to find a better way.
So here we are, fighting and trying to hide the scars. I'll be home tonight, take a breath and softly
say goodbye. The lonely road, the one that I should try to walk alone. I'll be home tonight, take a
breath and softly say goodbye.
You're running like me. Keep moving on until forever ends. Don't try to fight me. The beauty queen has lost her crown again.
Take a breath and softly say goodbye.

Lembre de mim com carinho. Adeus."

E saí em busca de mim. Talvez ele tenha ficado triste, talvez já esperasse. Só sei que nunca mais o vi. Sempre fui fria, sempre quis ficar sozinha. Estar com ele foi apenas a realização do desejo de meus pais. Saí da cidade, encontrei emprego na livraria e um quarto simples para alugar. Era o que eu precisava, a estadia tinha os dias contados. Eu nunca mais criaria raízes em um lugar.

A garrafa de whisky já estava aberta, sentei na poltrona gelada e comecei a beber. Fumei um, dois, dez cigarros. A garrafa não tinha fim, e minha sede também não. Eu desejei por um segundo voltar no tempo e rever Murilo, mas a idéia se apagou rapidamente. Me peguei com os olhos úmidos. Algumas lágrimas cairiam a qualquer momento. Saudade? Não era isso o que eu sentia. Isso tudo não era efeito do álcool e nem arrependimento, era apenas solidão. Ela foi embora assim que deitei a cabeça no travesseiro e dormi algumas horas.
Para mim, tudo é passageiro, menos a minha vontade de estar só. Por mais que eu sinta uma dorzinha cutucando o peito e uma inquietação de um corpo querendo calor, é assim que gosto de viver. Uma ou duas garrafas resolvem meu problema. Tudo fica mais tranquilo depois de traçar outros objetivos, novos sonhos. Nasci para ser nômade. E, querendo ou não, é desse jeito que sou feliz. Ainda não me encontrei, ainda não sei o que quero... Mas quem sabe um dia?

*Música do bilhete: Here we are - Breaking Benjamin

3 comentários:

  1. AMEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEI *-* vivian aqui como sempre haha

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  2. Isso remete ao coração que gosta de liberdade (assim como o meu) e que vive pra satisfazer as suas vontades e não de outrem. São pessoas que por careça que parível conseguem ser mais felizes que as pessoas que se enganam.


    Muito bem escrito o texto tá de parabéns, de verdade.
    Como tô no serviço, costumo ler a postagem rapidamente, mas essa tive que ler e degustar.
    See ya next post.

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  3. Muito bom post, como os outros do blog é uma leitura que consigo imaginar tudo, como os velhos livros que lia quando criança, parabéns e continue assim.

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