sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Conversas com a Morte

Ele entrou no quarto do sótão onde tinha passado os últimos anos, depois que a casa tinha ficado vazia. Era um cômodo simples, tinha só uma cama num canto, um guarda-roupa velho e pesado, uma escrivaninha com alguns rascunhos e uma janela que dava para o jardim, que era o lugar onde passava a maior parte do tempo, e ali ele se debruçou para olhar as estrelas.
Olhar as estrelas era o seu hobbie desde a juventude, quando começou a escrever aqueles poemas de amor inocente para a garota amada que viria a ser a mãe de seus dois filhos. Ele amava as estrelas, eram a sua inspiração. Tinha até um nome para cada uma daquelas que mais gostava, era a Joana, a Sofia, a Estela... mas sua favorita era Katherine, a maior e mais brilhante de todas, com quem ficava conversando horas e horas sem parar. Seus olhos brilhavam tanto quanto as estrelas quando estavam juntos. O tempo foi passando e o homem foi ficando ali debruçado olhando para o céu e sorrindo para aquelas piscadelas tímidas delas até que alguém bateu na porta.
- o senhor precisa de alguma coisa? – falou um vulto na fresta da porta recém aberta.
- não. Não, obrigado. Pode ir dormir. Está tudo bem.
- se precisar de alguma coisa é só chamar.
- não se preocupe, eu estou bem. Boa noite.
- boa noite, senhor. – e a porta voltou a se fechar. O homem sentou-se na cama e ficou olhando para a janela ainda por mais um tempo antes de se deitar.
- boa noite, querida. Vejo você amanhã.
Pouco tempo depois já estava dormindo e sonhando. Ele nunca teve sonhos muito interessantes, a maioria ou não fazia muito sentido ou eram monótonos demais para virar uma boa história e eram poucos que podiam ser aproveitados para suas histórias, mas essas ficavam boas, ou melhor, perfeitas. Ele já ganhou muitos prêmios com essas. Outras histórias as estrelas o contavam, essas eram boas também, mas suas obras primas com certeza vieram dos seus sonhos.
Naquela noite ele sonhou. Sonhou com sua amada, como a muito tempo não sonhava. Nele os dois ainda eram jovens e estavam em um campo deitados à sombra de uma grande árvore observando as nuvens e estavam perdidamente apaixonados, mas então começou a esfriar e o céu ficou nublado, as folhas da árvore começaram a balançar violentamente com o vento e Katherine de repente não estava mais ali. Ele olhou ao seu redor e percebeu que tudo estava escurecendo aos poucos e de repente uma voz o chamou, então ele fechou os olhos e quando os abriu novamente viu somente uma coisa: o teto. Definitivamente havia acordado. Novamente acordado olhou para a janela para contemplar sua amada.
- Sr. Adrian, chegou sua hora. – a voz ecoou pelo quarto e fez esfriar e o homem pensou estar delirando, então ele fechou e abriu os olhos de novo e o que viu foi exatamente o que esperava ver: o teto.
- Sr. Adrian – chamou novamente a voz –, chegou sua hora. – e ele olhou para o lado. O que viu foi um vulto esguio e encapuzado de pé perto do armário.
- quem é você? – perguntou o homem sentado na cama.
- como assim quem eu sou? – e estourou um trovão, mesmo o céu estando limpo e cheio de estrelas. – Eu sou o destino, sou a morte!
- mas você é homem, ser o destino tudo bem, mas a morte... É que soa muito estranho, sabe? Já pensou em usar “o morto”? Soa mais másculo.
- SILÊNCIO! Você devia estar com medo, não está?
- e por que teria? Não tenho nada a perder mesmo.
- então é assim? Posso te levar numa boa? Você não vai resistir?
- também não é assim. Não tenho nada a perder, mas ainda tenho muito a ganhar. Meu ultimo livro de contos está fazendo o maior sucesso e o dinheiro vai começar a entrar logo. Eu não quero ir agora.
- mas você devia estar se descabelando como todos os outros, eu não entendo...
- eu não vou morrer – falou enquanto se levantava para ir sentar na cadeira em frente a escrivaninha – Sente-se.
- o que... eu.. ãã... tudo bem. Como assim não vai morrer? Claro que vai. Eu vim aqui para isso.
- e do que eu vou morrer? Só para saber, afinal, é mais do que justo eu saber isso.
- bem, deixe-me ver. Pelo que consta sua ficha você vai ter um infarto fulminante daqui a vinte minutos enquanto estiver dormindo.
- mas eu não estou dormindo, consequentemente eu não posso morrer se não pegar no sono nos próximos vinte minutos, não é?
- na verdade você ainda está dormindo. Esta aqui é sua mente e eu não sou exatamente real.
- isto é mal.
- pois é.
- como assim você não é exatamente real?
- bem, como você já deve saber, eu apareço antes das pessoas morrerem, mas, de certa forma, eu sou parte da imaginação coletiva. Por exemplo, eu nunca tenho a mesma personalidade e nem a mesma aparência para todos que eu apareço.
- então quer dizer que você é assim porque eu imaginei você assim?
- mais ou menos, o capuz preto é sempre o mesmo.
- e você tem a personalidade que eu imaginar?
- isso sim. Já teve vezes que tive que suportar cada coisa que você nem imagina. Particularmente, eu prefiro visitar escritores e professores, sabe?
- espera um pouco. Antes você tinha dito que aqui era minha mente.
- isso mesmo.
- então eu posso controlar você.
- não, isso não. Eu invadi a sua mente e absorvi algumas características suas, mas eu continuo sendo eu mesmo e agindo por conta.
- Então quer dizer que você é uma parte de mim?
- sim e não. Como eu já disse, eu só absorvi uma parte e você, mas eu continuo sendo a morte. Porque tantas perguntas se o seu tempo já está acabando?
- é que eu sempre achei a morte fascinante e eu queria entender melhor como ela funciona.
- você quer realmente que eu explique para você como funciona?
- se você não se importar...
- não é muito dolorido, pelo menos ninguém reclamou na hora até hoje. Depois eu encaminho o penado para onde ele merece ir.
- posso te fazer uma pergunta?
- você já fez tantas...
- existe a possibilidade de eu virar uma estrela?
- vejamos... A sua ficha diz que você vai para o céu, esse já é o primeiro passo. Mas eu só cuido da morte, afinal, eu sou a Morte.
- e a quem cabe?
- não sei. Realmente não faço a mínima idéia. Não sou desse ramo. Mas porque você quer virar uma estrela?
- elas me fascinam, me inspiram, me iluminam e me fazem companhia. Eu quero poder fazer tudo isso para alguém.
- ora vejam, uma causa nobre. É tão difícil ver esse tipo de coisa hoje em dia. Pelo jeito desistiu da idéia de que iria conseguir achar uma maneira de escapar de mim.
- eu tentei, não é? Eu não consigo pensar em mais nada e ainda por cima estou cansado. Pelo jeito não vou encontrar uma forma de escapar tão cedo.
- não mesmo.
- mas o que exatamente você é?
- é meio complicado. Eu sei que já fui humano, mas não lembro de nada da minha vida nem de como eu morri, tudo que eu lembro é que me disseram que eu tinha sido uma pessoa muito má, mas que iriam me dar a chance de escolher entre virar o que sou ou me mandar para o andar de baixo até que decidissem que fosse suficiente.
- e você é o único?
- não. Eu morreria com tanto trabalho. Têm muitos outros cumprindo a mesma pena que eu. Eu já vi alguns por aí.
- e há quanto tempo você faz isso?
- não sei. Na verdade, quando se faz isso, não existe um tempo certo, pode ser um dia ou um milênio, eu não sei. A propósito, está na sua hora. Você está pronto?
- para que?
- para morrer.
- não!
- ótimo! Vamos então! Este é o seu cartão de acesso. Daqui a pouco vai aparecer uma escada e você vai subir, querendo ou não. Agora preciso ver outra pessoa. Foi um prazer conhecê-lo.
- mas... Eu não... – mas a morte já havia sumido e o homem ficou parado ainda algum tempo até um brilho opaco aparecer atrás dele. Ele se virou e se sentiu puxado em direção daquela escada disforme e sem fim, então seu cartão também começou a brilhar e todo aquele brilho ofuscou sua visão. Quando voltou a enxergar estava na frente de um grande portão com um guarda sentado num canto observando-o com uma chave na mão.
- com licença, senhor. Você poderia me informar como eu faço para virar uma estrela.

By: Daniel

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