segunda-feira, 15 de junho de 2020

G O R D A

Não conheci até hoje uma mulher que não tenha crescido com medo dessa palavra. Também não conheci uma que nunca tenha sido associada a ela de forma positiva. Por ter sido gorda a maior parte da minha vida, sempre tive medo que me olhassem e me enxergassem como uma pessoa gorda.
A forma como eu descobri que era gorda foi engraçada: uma colega na escola cutucou minha barriga e falou "Nossa, como tu tem barriga!". Para mim, até esse dia, eu não tinha noção de que a minha barriga poderia me tornar feia. Mas o problema maior sobre essa descoberta é que: com 13 anos, eu não era gorda. Só não era magra como as outras colegas da escola. Esse dia foi definitivo para que eu começasse a me enxergar de outra forma. Comecei a perceber a barriga, as curvas, os seios crescendo... E essas percepções deram início a todas as coisas que vieram pela frente. Nunca mais me olhei no espelho de forma positiva, pois tinha descoberto que ser gorda era feio. Logo, eu era feia.
É louco, né? Como uma palavra tão pequena pode tomar proporções tão grandes na nossa vida. Desde esse dia eu comecei a me esconder. Usar roupas maiores para disfarçar a barriga, vestir preto por saber que "preto emagrece", andar de barriga encolhida para que não vissem minha gordura, usar calça e blusa de manga longa na praia... 
Esse momento também me fez prestar atenção em tantos outros comentários relacionados ao peso. Percebi o quanto minhas amigas magras riam e caçoavam de outras meninas e a palavra principal para magoar a inimiga era: GORDA. O fato de ter ao meu redor apenas pessoas magras também fez com que eu me isolasse de um mundo que eu nem queria me isolar: aos quinze anos, não gostava de ir para festas. Sabia que minhas amigas iam ficar com alguém e que eu ficaria olhando. Parei de sair. 
Levou muito tempo (muito tempo mesmo) para que eu percebesse o quanto a palavra Gorda tinha sido o motivo de tantas coisas ruins que senti quando era adolescente. Só consegui perceber isso adulta. E isso foi, e ainda é, extremamente doloroso. 
Porém, acho que é muito mais doloroso perceber quem te cerca como a âncora que não te apoia, mas que te afunda. Foi muito difícil o início do processo de me aceitar gorda pois a primeira coisa que me vi obrigada a fazer foi me afastar de pessoas e grupos que não só não me representavam, mas que também me colocavam ainda mais para baixo. Essas pessoas não tem culpa do que eu sentia. A ode ao corpo magro está enraizada de uma forma tão profunda que é muito difícil que as pessoas consigam entender que o corpo da revista, da atriz da novela e da blogueira fitness não existe.
Passei a buscar outras pessoas que entendessem tudo o que eu sentia em relação a mim mesma, consegui criar uma pequena rede de apoio com outras mulheres gordas que simplesmente: entendiam tudo o que eu estava falando. E isso foi, e continua sendo: transformador. 

A gente não tem que ter medo de ser gorda. A gente não pode deixar nossas amigas reproduzirem nenhum tipo de palavra que faça qualquer outra pessoa sentir vergonha de qualquer característica do seu corpo. O que temos que fazer é nos reeducar. Reeducar quem nos cerca. Pensar e repensar comportamentos que podem até ser naturalizados, mas não deveriam. Quem passa pelo meu caminho vai ter que entender que isso não é certo. E a pessoa que não estiver disposta a refletir sobre isso não é mais bem vinda.
Foram muitos anos ouvindo piadas gordofóbicas sobre o meu e outros corpos. Muitas vezes chegando em casa após o rolê e chorando até dormir com raiva e vergonha de mim mesma. A gente não tem que aceitar esse tipo de sentimento sobre nós mesmas. O nosso corpo não é público.

Até breve :)


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